A polêmica envolvendo Kleber Lucas no terreiro traz à tona o debate
envolvendo tolerância, ecumenismo, sincretismo e outros assuntos relacionados.
Sou completamente a favor do Estado Laico, pois Igreja e Estado são
instituições diferentes. Não sou relativista, tenho minhas convicções
teológicas mas penso que não devo querer impô-las a força aos outros. Logo,
deve haver espaço para a liberdade religiosa. Deve
haver convivência pacífica entre as religiões.
Sou a favor de debates saudáveis e respeitosos,
seja entre membros de vertentes do cristianismo seja entre religiões
diferentes. Não creio que todos somos irmãos na fé, pois isso seria
relativizar minha cosmovisão. Todavia, penso que todos somos irmãos na humanidade.
Todos somos a imagem e semelhança de Deus. Porém,
não sou a favor do ecumenismo. Como no caso ocorrido, estava sim ocorrendo um
culto aos orixás.
Não faz sentido um protestante ou um católico
participar de tal pois vai contra a ortodoxia cristã. É diferente de quando
vemos, por exemplo, debates sobre temas envolvendo religiões em programas
televisivos onde são levados representantes de diversas vertentes. Sem querer
ferir crenças, mas vejo as religiões de matriz africana mais ligadas ao
politeísmo do que ao teísmo cristão. Porém, pensar assim não me dá o direito de
agir com preconceito e apoiar atos de violência contra tais pessoas.
O que levou ao ato polêmico do referido pastor
e cantor e da pastora luterana de participar de tal evento foi a ação criminosa
de depredação de um terreiro. O que também não faz sentido para o
cristianismo. Eu lembro da passagem de Lucas 9:51-56 quando os
samaritanos não quiseram receber aos discípulos. Os discípulos perguntaram a
Jesus se ele queria que eles orassem para Deus mandar fogo do céu para matar os
samaritanos. Jesus de maneira alguma relativizou a atitude dos samaritanos
mas repreendeu os discípulos:
"Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse:
Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para
salvá-las. E foram para outra aldeia."
Lucas 9:56
Se por um lado Jesus se mostrava conservador
quanto a assuntos como salvação, condenação, pecado e santidade, por outro lado
andava fazendo o bem a todos e ensinava as pessoas a serem mais humanas. O que
pode ser mais humano do que amar ao próximo como a ti mesmo? E o que dizer do
amar aos seus inimigos?
Talvez hoje Jesus chocaria tanto liberais quanto
fundamentalistas.
E finalmente, Jesus está acima da religião. A
religião é importante mas Jesus é maior.
Mas o que é religião? Pela Bíblia, religião é:
"A religião pura e imaculada para com Deus, o
Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se
da corrupção do mundo." Tiago 1:27
A primeira parte fala de caridade, de fazer o bem
ao próximo. Neste sentido, até um ateu que faz caridade pode ser considerado
religioso.
A segunda parte fala de santidade. Por mais que
nem todos abracem o conceito cristão de santidade todos temos o sentido de
certo e errado. Todos sabemos que o certo precisa ser feito e o errado evitado.
Todos possuímos o "senso de divindade" e a Graça comum. Neste
contexto
surge o conceito protestante de
cobeligerancia.
Antonio C. Costa nos mostra a diferença entre cobeligerancia
e ecumenismo:
“Outro risco grave é falta de uma interação da
igreja com o restante da sociedade no combate aos males sociais que afligem a
todos. Percebe-se uma atitude anti-séptica por parte de igreja quando se
trata de se juntar a um não-crente visando a obtenção de uma conquista social
qualquer.
A igreja confunde muitas vezes cobeligerância com
ecumenismo. A Bíblia aprova o primeiro e condena o segundo. Este é sempre
danoso e irracional. Leva a igreja a
menosprezar o que Cristo fez na cruz, ao dizer que o homem pode chegar ao céu
pelos seus próprios méritos.
Falando a partir do ponto de vista intelectual,
um absurdo, pois duas religiões que ensinam coisas diametralmente opostas podem
ambas estar erradas, mas jamais certas ao mesmo tempo. Já o princípio da
cobeligerância é bíblico, pois trata-se de cristãos se unindo a não-cristãos na
luta por uma causa que lhes é comum (um exemplo disso é a interação do apóstolo
Paulo com não-crentes no naufrágio relatado por Lucas em Atos capítulo 27 em diante).
Ora, há um mundo de coisas que queremos e
reivindicamos que não-crentes querem e reivindicam também. Não estamos lidando
com marcianos (embora admitamos a diferença entre cristãos e não-cristãos), mas
com pessoas que foram criadas à imagem e semelhança de Deus.
O necessário combate travado contra o nazismo na
Segunda Grande Guerra, por exemplo, levou para a trincheira crentes e não
crentes, que lado a lado enfrentaram um inimigo que lhes era comum.
A igreja deveria estar na vanguarda das lutas
sociais em nosso país. Aliás, essa é uma das suas missões, pois será que há
outro povo na Terra mais apto a conhecer as intenções de Deus? será que há
alguém que deveria se indignar mais do que o crente quando a vida humana é
vista como espoliada daquilo que lhe é fundamental para a preservação?
Em muitas ocasiões, esse combate deve conduzir
a igreja à união com pessoas que não professam sua fé a fim de enfrentar
adversários que ameaçam a todos. Se faltasse água no prédio onde você
mora, e um ateu juntamente com um espírita o procurassem para estar na
assembléia do condomínio a fim de tratar da questão, você diria para eles
– “vão embora, vocês não professam minha fé?”. Você acha que seria sensato um
crente se trancar no quarto para tão somente orar pela questão?”
Voltando a religião, as atividades de fazer o
bem ao próximo da religião, por exemplo, são importantes mas são incapazes de
gerar salvação. Para exemplificar isto, imagine um criminoso no tribunal
tentando se justificar dizendo que não pode ser punido por seus crimes por
praticar obras de caridade. Isso não faz sentido, não é verdade?
Da mesma forma, nossas boas obras são incapazes
de nos justificar perante Deus. Mas Cristo é suficiente, Ele é capaz. Por isso
digo que Ele está acima da religião. O lado espiritual das religiões mostra os
homens tentando se religar com o divino. O evangelho mostra Deus indo em busca
do homem
perdido. Deus é o próprio ponto de partida, Ele
quem enviou Cristo para morrer por nós pecadores. Quem crer será salvo.
"Porque há um só Deus e um só mediador entre
Deus e os homens: Jesus Cristo homem."
1 Timóteo 2:5